quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

De Beja a Kandahar

O céu está limpo, mas a chuva dos últimos dias ainda sobrevive entranhada nas rugosas tranças de lama, que parecem ser impressões digitais calcadas pelos dedos de um gigante no caminho de terra batida. A rotação dos motores não se detém. E o caminho sinuoso vai sendo lentamente engolido pela coluna de veículos militares, que partiu para uma operação de detecção de insurgentes afegãos, desde Kandahar - apesar de nas placas colocadas à saída da cidade se ler Beja. A coluna detém-se. Expectativa. Saem homens de cada carro. Expectativa. O perímetro visual é vigiado num trabalho de equipa silencioso. E a expectativa dissipa-se com apenas um toque com a mão no capacete, por parte de um dos militares do veículo da frente. O gesto é mimetizado em efeito dominó, ao longo da coluna. O sinal resulta. Voltam todos de novo para dentro dos transportes. E os cerca de 150 comandos portugueses seguem caminho. «Ninguém pode dizer que não tem medo» Nem todas as histórias podem ser contadas Os todo-o-terreno não ultrapassam os 50 quilómetros por hora. São orientados por uma prudência avisada de que nem tudo sobre o que o vento sopra é vegetação, pedras e lama. Há vontades invisíveis que se escondem, silenciosas. Pelo menos até ao primeiro estalo de oxigénio, que gela quem não está habituado à surpresa da pólvora. Por parte dos militares, a resposta é imediata. O perigo vem de uma colina paralela à coluna. As facções estão apartadas por um rio, esguio, mas intransponível. São lançadas bombas de fumo que escondem as movimentações dos elementos das tropas, equilibrando a desvantagem. As G3 são desengatilhadas. Num ápice, saltam cápsulas por todo o lado, a tilintarem contra os veículos, a cada rajada. Tiros, fumo e gritos «Munição, munição». Ouve-se uma ordem, gritada atrás da barreira formada pelos todo-o-terreno. Aos soldados é-lhes agora permitido quebrar o voto de silêncio. Podem ter passado toda a sua vida de treino a preparar-se para um momento como este. E, no meio da aparente desordem, vislumbra-se um sentido. A organização táctica de uma equipa de futebol vista do terceiro anel de um estádio poderá não ser a imagem perfeita. Não há defesas, médios ou avançados. Mas dá para um leigo em serviço militar, que tenha ido a um jogo de bola, perceber que também há aqui posições predefinidas e automatizadas. Com a diferença que em jogo está a vida. Prontos a partir Por enquanto Kandahar ainda é Beja. Os talibãs do exercício «Kabul 081» são militares descaracterizados. E na emboscada a que os repórteres do PortugalDiário assistiram na manhã desta quarta-feira, só foram disparados tiros de pólvora seca. No final de Fevereiro, os 150 homens da companhia de comandos e outros sete das Força Aérea, terão rendido o actual contingente que está no Afeganistão, formado por pára-quedistas. Nessa altura, Beja será Kandahar, ou qualquer outra parte desse país. Com balas verdadeiras nos carregadores. A missão é de manutenção de paz. Mas num país onde a guerra parece não ter terminado, os militares têm de estar preparados para qualquer eventualidade. Vão estar fixados na área da capital afegã, Cabul, com a possibilidade de operarem em qualquer parte. O General Carlos Jerónimo, comandante da Brigada de Reacção Rápida, disse aos jornalistas que esta será a «última força com este figurino a partir». Um primeiro voo levanta no dia 11 de Fevereiro. No dia 28, parte o seguinte e último. Depois, a presença portuguesa ficará reduzida a um «avião C130 da Força Aérea e a alguns elementos com funções de assessoria às forças afegãs». In PortugalDiário http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?div_id=291&id=904622#

Sem comentários: